Artigo:

O tema da adoção de crianças nos remete às representações de um estrangeiro que se insere no núcleo familiar trazendo na bagagem uma história, uma origem e uma dimensão de radical alteridade. Localizada ao longo da história da humanidade, a adoção realça e intensifica afetos que são constituintes do humano em seu inexorável arcaísmo, tais como o desamparo, o abandono, a rejeição. De maneira análoga, a violência, o abuso, a negligência - experiências potencialmente traumáticas que incidem sobre os psiquismos ainda em constituição - desafiam, na contemporaneidade, a clínica psicanalítica e portanto, o psicanalista, a um posicionamento ético, político e social. Inquietante realidade que atravessa o encontro – e tantas vezes o desencontro– entre humanos com suas aproximações e distanciamentos, seus conflitos, suas impotências e angústias. A clínica da adoção conta histórias das variadas formas de sofrimento em que esse estrangeiro pode travestir-se de inquietante e sinistro, revelando o assombro diante do encontro fracassado e da “devolução” daquela criança anteriormente adotada. O desconcerto com a devolução poderá então ser equiparado ao unheimlich, experiência suscitada no adotante em sua relação com a criança; na criança, quando já não se reconhece com seus pais, nos profissionais que acompanham e/ou decidem sobre o destino daquela criança e, sobretudo, no analista, com seus sentimentos contra-transferenciais, vividos no contato com aqueles que portam diversos graus de sofrimento com a adoção.